quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Inverno: tempo de desnudar




Inverno é tempo de colher e recolher. Tempo de expor a genuína beleza e pobreza do homem feito parecido com Deus. Tempo de tirar excessos e sacudir ruínas. Inverno é tempo de beijar o chão com a gratidão das folhas secas, certos de que é tempo só de Deus cantar.

É hora de nutrir essa certeza: Deus visita também jardins áridos e neles se deleita como, antigamente, no jardim primeiro. Inverno interior é tempo para ouvir a canção e ficar sem cantar, é tempo também de fazer novos arranjos e transformar noites escuras em anseios pelo amado. É Tempo de clamar como a esposa dos cantares: “Avisa-me, amado de minha alma, onde apascentas, onde descansas o rebanho ao meio dia, para que eu não vagueie perdida”
(Ct 1,7).
É tempo de deixar o vento tocar com sua poesia incomum nossa face,
e tempo de ir com frio e na pura nudez para o regaço do absoluto.
Deserto é tempo de caminhar sem devaneios, usando mais os joelhos do que a mente. É hora de achar a fresta que introduz nas profundezas do Amado e invadir esse esconderijo. Lá há o conforto que perturba o frio e faz a gente reaprender a sonhar.

Inverno é tempo do repouso...
Inverno é tempo de dar atenção às raízes. Tempo de deixar a beleza e o silêncio tocar nosso olhar. Tempo de observar, resignado, o vento brincar com despojos tênues que jaz sobre o chão. Tempo da natureza se recolher numa silente e paciente espera. Tempo de travar bravamente as lutas. E tempo de pôr a alma adoradora de sentinela. Tempo de incertezas porque pode ser gerador ou destruidor. Você escolhe. Mas não esqueça: inverno faz parte da condição humana.

Inverno é tempo de fusão...
Tempo de fusão de lágrimas e preces. Se tal não acontecer, penso eu... O que amenizaria a aridez quase absurda? O que lavaria e levaria para longe o alquebramento? Quem suportaria sem desfalecer o polir do eterno, se prece e lágrimas não fizessem aliança? O que sustentaria no profundo as raízes? O que levaria o homem tão frágil e disperso a reencontrar sua alma de menino?

No inverno não vale insegurança de vontade...
Quando o inverno tocar e apertar a nossa alma num abraço de morte, depressa agasalhemos nossa face no peito de Deus, ali há vulcão de ternura e chamas e a voz que vem do fogaréu é: “Vinde a Mim vós todos”.

Em tempos de inverno, torne poderosa a crença e não deixe a descrença granjear terreno. Apalpe seus joelhos à procura de calos, se seus joelhos forem marcados de tanto ajoelhar, louve, pois o Sol que nasce do alto o visitará e o frio não atravessará as cortinas que protegem sua alma.

Inverno é tempo de rever...
Então reveja sua filosofia de vida, seus caminhos, suas opções. Acorde o poeta que dorme dentro de você e por entre seus dedos coloque pincéis. Deixe-o fazer do seu inverno um deslumbrante poema. Busque entusiasmo criador para a canção e peça ciência para poder fundir seu infortúnio com o absoluto adorável.

Invernos é uma noite longa?
Inverno espiritual é como uma noite longa, demora partir. Mas enquanto dura tem a magia de refazer energias e consolidar pés que hesitam. Inverno é o jeito que Deus emprega para buscar sua face em nós. É a ária que Deus sussurra o tempo todo, para nos dizer que é com fadiga e saudade que nos procura. “Quem é o homem, Senhor, para que dele cuides tanto assim”? Quem sou eu para que me abraces e me visite para me resgatar?

Quando o inverno tocar sua alma é o pare, olhe e escute de Deus lhe agarrando. Sinta-se amado. É a hora de Deus encravar na sua alma a pergunta: “Para onde vais”? Seja amante de você mesmo. Deixe Deus lhe esvaziar de você, pois com peso não se voa e você foi feito para lugares altos.

Inverno é tempo de calar:
Quem nunca se ajoelhou, prostrou ou chorou implorando lenitivo? Quem nunca precisou mandar recado para o céu: estou confusa sem tua face, eu te procuro com o clamor das minhas lágrimas e com os gritos do meu silêncio! O inverno faz a gente sentir temor, mas o Mestre também temeu. Quem nunca chorou a distância dEle? Quem nunca andou às apalpadelas? Você e eu já provamos das águas amargas do travessar do inverno. As lágrimas de nossa alma já machucaram nossos olhos. Somos iguais. Inverno é crivo.O inverno não poupa nem nobre e nem pobre, a ninguém. Mas é porque ninguém deve caminhar onerado demais, com fardos sem valia.

Inverno vem para nos lembrar:
Que somos alpinistas e alpinismo não se ajusta com bagagem em excesso. Inverno é para nos lembrar que somos de LÁ e muita poeira ofusca nossa identidade de filhos desse LÁ, esconde nossa semelhança com o Divino. Inverno é para nos lembrar que Jesus está voltando, e quando voltar na tarde da nossa vida, acho que não merece nos achar escondidos ou revestidos do trivial e ter que repetir a pergunta feita ao nosso envergonhado pai “Onde estás”?

Inverno é tempo de dar uma basta a algumas coisas que levamos E um chega de sermos levados. É convite para calar e fixar o olhar no Divino Rabi da Galiléia e suplicar: Liberta-me de mim. É hora de tirar os entulhos que jogamos em cima do Deus que habita nosso íntimo.

No inverno ore... E se o frio hibernal abraçar sua alma, persevere, inverno passa. Se ele ferir sua face, resista, a brisa virá. Se fizer doer seus pés, prossiga assim mesmo, porque, sem tardar muito, a paz voltará a habitar em seus muros. Ela virá premiar sua constância.

Não ande distraído nos seus invernos, viva-os intensa e profundamente. Caminhe como aprendiz vigilante, deixe o orvalho de cada noite lhe cobrir a fronte e o sol em cada raiar beijar seu semblante.

Viva intensamente esse momento único... Inverno é tempo de agonia instalada, tempo de dor, mas é tempo de graças singulares. Ele não é seu, ele é nosso. Ele vem para todos e sobre todos. Nisto está seu valor e sua agonia.

Inverno não é hora de compreender, é hora de adorar. Não é tempo de voar, é tempo de se prostrar. ”Importa que trabalhemos enquanto é dia”.

Ir.Maria da Penha (PMMI)
19/06/08

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